quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Alguns Brocardos Jurídicos

Qui sentit onus, sentire debet commodum, et contra.

O presente adágio traduz um direcionamento de direito que corrobora o papel de equilíbrio e justiça que as normas, juntamente à ação interpretativa do magistrado, devem seguir. Pois, cada regra de direito precisa se direcionar de forma a visualizar os sujeitos do caso concreto quanto as suas vantagens e obrigações, como meio de evitar a consagração de relações jurídicas que sejam pautadas pelo super beneficiamento de uns em detrimento de outros.
No entanto, esse brocado pode ser relativizado mediante a existência de acordos entre as partes - a exemplo do pacta sunt servanda – nos quais elas estipulem a total separação de encargos e vantagens.Isso implica que nem sempre pertencerá ao cômodo o incômodo anexo, uma vez que às vezes é justamente essa a estipulação desejada pelos envolvidos.Todavia, salienta-se que esse brocado foi importante para se expor contraposição à interpretações que viessem a permitir a validade das relações jurídicas contaminadas pela má-fé, desrespeito e eminente agressão ao equilíbrio almejado pelos pólos.

Acessorium sequitur principale

O brocado em questão, ao expor que o acessório acompanha o principal, pretende consagrar uma regra atinente em geral aos objetos que venham a ser negociados nas relações civis, bem como em outras searas do Direito. Mas aquilo que se depreende do brocado é que diante da presença do específico, do acessório, daquilo que já advém de uma fonte maior, o geral ou principal pode ser aduzido.
Contudo, ainda que esse brocado tenha grande aplicação se faz necessário mencionar que, assim como o demais, ele não é absoluto. Por tal, nos é impelido dizer que conforme as ressalvas sejam realizados, os trabalhos do interprete do direito deve atentar para as particularidades do caso com o fim de obter a melhor resolução possível do caso. Tanto o é, que o Código Civil de 2002 aponta essa ressalva em vários de seus artigos, tais como o art.287, art.233, art.1392, entre outros.

Verba cum effectu, sunt accipienda

Tal brocado diz que: “Não se presumem da lei, palavras inúteis”. A sua importância para o cenário jurídico acresceu credibilidade ao legislador e ao Estado,como entes difusores da letra do Direito. Não se extingue a razão de ocorrência de textos passíveis de dupla interpretação, ou mesmo, que tenham sido produzidos de forma menos esmerada, mas se defende a necessidade de se mensurar através do exame do contexto, dos atos jurídicos, e outras fontes o verdadeiro alcance da norma.
MAXIMILIANO ao referenciar os hermeneutas norte-americanos comenta que diante da dúvida entre a letra da lei e o espírito, prevalecerá o último, ainda que antes tenha sido feito esforço para enxergar até onde possível os efeitos de toda as palavras e sentenças. O autor explica neste tempo que à vista de um texto preciso, cujo sentido seja bastante claro é preferível a opção pela letra da lei, pois negar sua relevância primeira em face de outros dispositivos aplicáveis à Hermenêutica seria um erro.
Além desses pontos, constata-se que o crédito dado a tal brocado também contribuiu para possibilitar no meio jurídico um senso de cuidado e zelo pela segurança jurídica, visto que se concede as palavras da lei uma validade presumida, pois no primeiro instante há confiança nesta.

Testis unus, testis nullus

O enunciado desse brocado traz-nos que: “Uma testemunha não faz prova. Testemunha única, testemunha nenhuma”.Com relativa estranheza se aceitaria nos tempos atuais a aplicação de um adágio tão matemático quanto esse, uma vez que já é unânime entre os interpretes do Direito que a apreciação do valor de um testemunho não pode ser simplesmente computado, mas sim analisado juntamente ao contexto do caso e as demais provas.
Atualmente, a doutrina se inclina no sentido de provocar a inteligência e consciência do magistrado. MAXIMILIANO expõe em sua obra que a função, a qual os juízes desempenham requer que estes pesem os depoimentos e não os contem, de modo que os critérios levados em consideração para avaliar os testemunhos são: verossimilhança dos dizeres; probidade científica do depoente; seu conhecido amor ou desamor, à verdade; latitude e segurança de conhecimento, entre outros.
Assim, é imprescindível que seja aliada à técnica formal de interpretação o discernimento do magistrado para apreciar a prova testemunhal. O juiz , tendo em vista o sistema de apreciação de provas do livre convencimento, pode até mesmo valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas.
A jurisprudência brasileira já se manifestou acerca do tema no campo criminal, pela forma que: usar argumento de que o testemunho único apresentado pela ré, seria insuficiente a comprovar a ocorrência de transgressões, não merece guarida haja vista que em nosso ordenamento jurídico vigora o sistema da persuasão racional, não mais existindo o sistema da testis unus, testis nullus (TRT-RO-3584/99). Para Miguel Reale, esse brocado corporifica o que ele chama de fossilização do erro e isso demonstra a necessidade de cuidado para a aplicação do mesmo.
Dessa forma, o magistrado poderia aceitar como provado aquilo que é dito por uma só testemunha, e rejeitar como incerto, ou falso, o que depõe duas ou mais.Contudo, é oportuno ressaltar que ainda sendo tal parênquima limitado, não se pode omitir que seja impossível, ou mesmo irresponsável formar uma convicção com base em apenas um ponto de vista, isto é, uma testemunha somente, ou apenas uma só espécie de prova.

Nemo locupletari debet cum aliena injuria vel jactura

O fundamento presente no brocado de que ninguém deve enriquecer-se com o dano de outrem, ou com a jactura alheia tem bastante aceitação no universo da boa hermenêutica, visto que seria irresponsável admitir a consecução de um direito baseado na justiça que viesse a permitir o contrário.
Além disso, a mensagem desse brocado se reforça ao aliamos a outro preceito de interpretação, o qual menciona que nem tudo o que está escrito prevalece como Direito e nem o que não está escrita, deixa de constituir matéria jurídica. Dessa forma, mesmo que esteja estipulado entre as partes algo que implique em patente desequilíbrio, os aplicadores da lei precisam neutralizar os maus efeitos.
Por tudo isso, é que a lei não pode autorizar o dolo, nem favorecer a fraude, a deslealdade, isto é, disposições escritas capazes de assegurar a má fé. A interpretação, quando possível, deve ser feita de modo a não deixar margem a escritas que originem a má-fé. Dessa forma, o presente brocado defende a necessidade de boa-fé, a qual impeça o lucro de um dos postulantes em razão da jactura alheia.
Pronuntiatio sermonis in sexu masculino, ad utrunque sexum plerunque porrigtur
O art.1° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão traz nos que: “Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos. As diferenças sociais só podem ser fundamentadas no interesse comum”. O art 9° do mesmo documento diz: “Todo homem é presumido inocente até ser declarado culpado. No caso de se julgar indispensável sua prisão, qualquer excesso desnecessário para se assegurar de sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei”. Já o seu art. 7° expõe: “Nenhum homem pode ser acusado, preso ou detido senão quando assim determinado pela lei e de acordo com as formas que ela prescreveu. Os que solicitam, expedem, executam ou fazem executar ordens arbitrárias devem ser punidos. Mas todo homem intimado ou convocado em nome da lei deve obedecer imediatamente: ele se torna culpado pela resistência”.
Nos artigos exemplificados acima se percebe que o legislador optou por fazer menção ao termo “homem” com o intento de generalizar a disposição da lei para todos os seres humanos detentores de direitos e obrigações, independentemente de qual seja o gênero sexual.
Por esse motivo o brocado pronuntiatio sermonis in sexu masculino, ad utrunque sexum plerunque porrigtur, o qual significa: enunciado um preceito no masculino, estende-se, as mais das vezes, a um e outro sexo, reforça sua aplicação no âmbito da interpretação jurídica das normas. Agir de outra forma decairia em erro, uma vez que a simples decodificação das palavras da lei, sem uma prévia adaptação a intenção do legislador, bem como do texto, ou ainda do contexto de produção da lei, terminaria por causar injustiças totalmente desconformes ao ideal de interpretação justa e humanizante.
No entanto, é bom ressaltar que algumas vezes a especificação do gênero sexual dos indivíduos, quando referenciada ao masculino, não pode e nem deve ser ampliada pelo próprio conteúdo da lei em questão. Ou ainda, em casos nos quais o produtor da lei necessita fazer uma distinção para efetivar o sentido da regra, a exemplo do art. 1.514 do CC/02, o qual define que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
De fato o uso de um brocado que defende a generalização dos gêneros torna-se útil tanto ao processo hermenêutico de tratamento da norma como de escritura do texto legal, visto que restringe a formação de impropriedades, como negar a herança as filhas porque na estava escrito o termo filhos, ou ainda no sentido de evitar favorecimentos a um ou outro gênero por motivos não fundamentados.

In dúbio pro libertate

Carlos Maximiliano ao tratar do brocado em questão expressa que em todos os assuntos e circunstâncias, é a liberdade que merece maior favor[1].Isto é, não é plausível a condenação de um indivíduo, ou mesmo a imputação de pena, diante da incerteza da autoria dos atos em análise. Ao interprete cabe a análise de provas capazes de fundamentar um posicionamento, ainda que esse seja inusitado, mas nunca despropositado ou alimentado pela dúvida da culpa.O emprego desse brocado se coaduna com a interpretação realizada sobre o enfoque dos direitos fundamentais.
No ordenamento jurídico brasileiro os brocardos da dúvida com o in dúbio pro reo, in dúbio pro libertate já são consagrados, tanto são que o Código do Processo Penal adequado aos preceitos do presente brocado dispõe que se deve liberar de condenação o réu envolvido em causa cujas circunstâncias excluam o crime ou isentem o réu de pena ou mesmo se houver fundado dúvida sobre sua existência.
Através dessa ordem de pensamento evita-se a ocorrência de condenações, as quais implicam em conseqüências irreversíveis para o réu condenado, sem a segurança exigida de provas. De modo que se instaure na sociedade um sentimento de confiança de que o Estado somente imporá sanções a aqueles que realmente mereçam.
Maquiavel na sua obra mais conhecida, O Príncipe, trouxe algo que se relaciona a esse pensamento, dizendo que cabe ao Estado estabelecer um clima de segurança aos seus súditos de forma que estes possam nele confiar, como um ente organizador das forças conflitivas e promotor da justiça quando preciso.
Todavia, assim como os outros, esse brocado também merece uma segunda visão. O uso do mesmo, implica em uma necessidade quase indispensável da subjetividade do magistrado, no que se refere a conclusão da falta de elementos comprobatórios. O que talvez possa levar, vez por outra, à absolvição de sujeitos merecedores de pena ou condenação de outros não merecedores.

Unumquodque dissolvitur eo quod fuerit colligatum.

A exposição do Unumquodque dissolvitur eo quod fuerit colligatum, o qual significa que cada coisa dissolve-se do mesmo modo pelo qual tenha sido concertada, traduz uma espécie de necessidade de formalidade aos atos jurídicos realizados. Essa formalidade surge com o escopo de promover no mundo jurídico uma uniformidade, ou mesmo uma organização das práticas, o que ajudaria no sentido de não só de harmonizar o trabalho dos representantes das partes, como também dos interpretes. Além de que através disso se fornece uma maior segurança jurídica para a viabilização das questões, pois permitiria que houvesse procedimentos próprios para realização dos atos, dirimindo as dúvidas processuais.
Conforme explicita MAXIMILIANO, aquilo que foi estabelecido mediante sentença (interdição, por exemplo), só por meio de nova sentença pode ser eliminado[2].Dessa forma, ainda que as partes desejem atuar de modo diverso, a finalização dos atos executados depende da obediência às orientações dadas no campo do Direito Civil, Processual, etc.


[1] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 211.
[2] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 213.

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